Foi durante o primeiro SENALE – Seminário Nacional de Mulheres Lésbicas, que se criou o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, escolhendo o 29 de agosto, para marcar esse importante evento que reunia mulheres lésbicas e bissexuais de todo o Brasil.
E por que é importante registrarmos essa data de visibilidade?
O Brasil ainda era colônia de Portugal, quando recebemos o primeiro padre visitador do Tribunal do Santo Ofício no Brasil. Era o padre português Heitor Furtado de Mendonça que atuou no Nordeste brasileiro por quatro anos, de 1591 a 1595.
Segundo os registros do Santo Ofício, o padre Mendonça recebeu denúncias de 29 mulheres pelo mesmo "crime" – relacionamentos com outras mulheres, ou como era conhecido, sodomia.
De todas as denunciadas, sete acabaram julgadas pela Inquisição e punidas, mas nenhuma de forma tão severa quanto Felipa de Sousa.
A portuguesa Felipa, nascida em 1556, na cidade de Tavira, Algarve, viajou para Salvador, na antiga capitania portuguesa da Bahia, em data desconhecida, casada com um cristão-novo. Felipa era alfabetizada, algo incomum para a época e, após enviuvar, casou-se novamente, com Francisco Pires, que exercia a profissão de pedreiro em Salvador. Além de alfabetizada, ela trabalhava como costureira e não tinha filhos dos seus casamentos.
Muitos estudiosos consideram o caso de Felipa de Sousa como o primeiro registro de relacionamentos lésbicos ocorridos no Brasil, uma vez que toda a história está oficialmente registrada nos muitos documentos produzidos pelo Tribunal do Santo Ofício a época.
O registro data de 26 de janeiro de 1592, quando Felipa de Sousa foi açoitada publicamente. Condenada, ela teve seus bens confiscados, foi obrigada a comparecer a auto de fé descalça e com vela acesa na mão, incumbiu-se de penitências espirituais e ainda precisou pagar as custas processuais.
Como se não fosse o suficiente, ela foi sentenciada com o "degredo para sempre para fora da capitania da Baía de Todos os Santos", conforme relato em documento de 24 folhas manuscritas, guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, Portugal.
Para muitos, esse é considerado o mais pungente caso de lesbofobia da história do Brasil, o que fez de Felipa de Sousa um ícone na luta por direitos de pessoas LGBTI+.
E o que mudou?
No 29 de agosto deste ano, o Senado Federal, através da Comissão de Direitos Humanos, promoveu uma audiência pública para apresentação de três pesquisas sobre violência contra mulheres lésbicas no país. A audiência foi realizada em parceria com a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados.
Dentre as pesquisas apresentadas, debateu-se os dados da primeira etapa do LesboCenso Nacional, pesquisa feita pela Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e pela associação lésbica feminista de Brasília Coturno de Vênus entre agosto de 2021 e maio de 2022. A pesquisa reúne dados sobre autoidentificação, trabalho, educação, saúde, relacionamentos, relações familiares e redes de apoio que as lésbicas possuem nas diversas regiões do país. Essa fase da pesquisa foi quantitativa, com 19,4 mil participantes.
O LesboCenso busca alterar o cenário de subnotificações de crimes, violação de direitos e da falta de políticas públicas específicas para lésbicas. Um dos eixos da pesquisa traz dados sobre violência: 78,61% das participantes já sofreram lesbofobia e 6,26% conheciam alguma mulher lésbica que morreu em razão da sua orientação sexual. O principal tipo de violência é assédio moral (31,36%), seguido pelo assédio sexual (20,84%). Grande parte dessas agressões, 29,32%, são perpetradas por membros da família.
Outro eixo da pesquisa focou a área sobre saúde. O levantamento mostra que 24,98% das entrevistadas sofreram lesbofobia em atendimento ginecológico. Muitas mulheres que participaram da pesquisa, 72,9%, se sentiam constrangidas em revelar a orientação sexual em atendimento de saúde.
Os dados demonstram o grau de violência e violação de direitos às quais as mulheres lésbicas e bissexuais brasileiras continuam expostas, desde a Inquisição.
Por isso a importância em elegermos representantes LGBTI+ para cargos legislativos, para que possam mudar o cenário brasileiro, onde os casos de violência contra lésbicas vêm aumentado a cada ano.
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